Indonésia, nórdica, mediterrânea… O mapa-múndi das dietas

Uma visita ao dicionário mostra que a palavra “dieta†vem do grego e significa modo de viver. Suas raÃzes evocam um conjunto de hábitos, e não apenas o que vai ao prato.
Portanto, não causa estranheza a mais aclamada das dietas em matéria de nutrição, a mediterrânea, contemplar, além de pescados, azeite e frutas e hortaliças, toda uma cultura, com um dia a dia mais ativo e um jeito próprio de levar a vida e se relacionar com os outros.
A coleção de pesquisas que atestam seus benefÃcios à saúde resulta dessa saborosa soma de elementos. “Tanto que ela já foi declarada patrimônio imaterial da humanidade pela Unescoâ€, conta a nutricionista Juliana Watanabe, que acaba de concluir mestrado sobre o tema na Universidade Internacional de Valência, na Espanha.
Outras dietas ganharam fama após estudos e propagandas cientÃficas, caso da viking e daquela de Okinawa, no Japão. Mas há menus regionais que nem precisaram desse verniz acadêmico para “viralizarâ€. O sucesso veio com as redes sociais, caso da dieta indonésia.
E é aà que o termo “dieta†perde aquele significado original mais amplo. “Ao longo do tempo, a palavra se tornou quase um sinônimo de regime para perder pesoâ€, diz a nutricionista Marle Alvarenga, doutora pela Universidade de São Paulo (USP) e idealizadora do Instituto Nutrição Comportamental.
E não é por menos que qualquer cardápio, especialmente se vier de um lugar distante, logo se populariza, surfando no desejo generalizado de emagrecer num planeta cada vez mais rechonchudo. A dieta da Indonésia foi a última a atravessar oceanos com a força da internet e a aterrissar aqui.
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Embora o estilo de vida no arquipélago asiático tenha muitos atributos considerados saudáveis, o menu só decolou, ao que parece, com o caso de um rapaz que perdeu quilos e quilos com ele. Alguém embalou e vendeu essa história nas redes e, pronto!, ela se espalhou.
Na visão da nutricionista Brunna Boaventura, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a internet virou um centro de busca de “cardápios milagrososâ€. E, nesse cenário, as pessoas apostam cada vez mais em ingredientes exóticos (e de formas excêntricas): há quem engula cúrcuma em jejum para “secar a barrigaâ€, por exemplo.
Mas os profissionais de saúde sérios advertem que não há dieta, receita ou erva mágica. A tal da cúrcuma, famosa por colorir pratos asiáticos, não vai enxugar a gordura sozinha — e qual a graça de apreciá-la longe da comida?
É bem-vindo e saudável trazer novos sabores à alimentação diária. Mas pode ter certeza de que tudo fica mais gostoso no devido contexto. Então que tal recrutar um pouco dos temperos, das tradições e dos ensinamentos de autênticas dietas dos quatro cantos do mundo?
Entre o local e o global
Descendente de japoneses, nascida no Brasil e morando na Espanha, Juliana Watanabe vive a dieta mediterrânea em seu cotidiano. “Muito mais do que um padrão alimentar, ela é uma herança cultural valiosaâ€, nota.
A nutricionista, que também é chef, conta que os segredos e truques das receitas são passados de geração em geração. E, na pesquisa para o seu mestrado, pôde comprovar que as habilidades culinárias refletem na qualidade do cardápio. “Isso favorece o maior consumo de frutas, verduras, leguminosas, ervas e outros alimentos saudáveis e tÃpicos da regiãoâ€, constata.
Provas robustas de que seguir esse modelo faz bem ao organismo pipocam. Uma das últimas vem de um trabalho publicado no periódico The Lancet, que comprovou a proteção cardiovascular do menu mediterrâneo em um grupo de 1 002 pessoas.
Outro padrão que ascendeu no meio cientÃfico (e nas redes sociais) é a chamada nova dieta nórdica, popularmente batizada de dieta viking. Um estudo recente, feito por pesquisadores dinamarqueses, aponta bons efeitos nos nÃveis de colesterol e glicose no sangue — préstimos notáveis no combate a problemas de coração e ao diabetes.
A nutricionista Carolina Pimentel, doutora em ciências da nutrição pela USP, acompanhou alguns dos costumes escandinavos quando participou de uma expedição para ver de perto a aurora boreal — fenômeno climático que ocorre nas regiões próximas ao Ãrtico. Uma de suas experiências foi saborear um salmão vindo daquelas águas gélidas. “O sabor é completamente diferente, meio adocicado, muito mais gostosoâ€, diz.
Como outros povos, os nórdicos valorizam os alimentos locais. E deixam de lição essa concepção de estimar mais o que é nosso. “Que tal ter um peixeiro para chamar de seu?â€, brinca Carolina. Enquanto lá eles têm salmão e bacalhau, aqui temos o olhete e o buri, perfeitos para ceviche ou sashimi. Resgatando o conceito original de “dietaâ€, o estilo de vida nórdico contempla ainda atividades ao ar livre para aproveitar os raios do Sol, mais raros lá em cima.
A conexão com a natureza também é priorizada em Okinawa. “Esse contato, seja praticando jardinagem, seja cuidando de hortas domésticas, é essencial para relaxarâ€, exemplifica Denise, que morou no Japão em 2019.
Okinawa é uma das blue zones, expressão criada pelo americano Dan Buettner após um estudo antropológico pelo globo que se refere aos locais com maior concentração de centenários. Além da ilha japonesa, fazem parte das zonas azuis Icária (Grécia), Nicoya (Costa Rica), Loma Linda (EUA) e Sardenha (Itália).
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Não há fórmula mágica
Os profissionais ouvidos por VEJA SAÚDE são unânimes ao dizer que as benesses desse elenco de dietas se devem ao conjunto da obra. “Comer é muito mais que a ingestão de nutrientes, traz lembranças, envolve tradições, crenças e preferênciasâ€, ressalta a nutricionista Valéria Machado, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Para muitos franceses, fãs dos ingredientes mediterrâneos, as refeições são tratadas como eventos especiais, com direito a decoração da mesa e música ambiente. “Rituais desse tipo são promotores de saúdeâ€, comenta Marle.
Já em um dos paÃses que lideram o ranking da obesidade, os Estados Unidos, a relação com a comida vive um paradoxo. O mercado de alimentos light, diet e fit cresce, ao mesmo tempo que se abusa das calorias, do açúcar e da gordura. E vira e mexe um elemento leva a culpa por tudo: ora o glúten, ora o leite…
Entre os precursores dessas dietas restritivas, está o agente funerário inglês William Banting (1797-1878), que, junto de seu médico, aconselhava banir o carboidrato — um dos pais do low carb. O slogan é popular até hoje, mas não é sinônimo de emagrecimento de verdade.
De acordo com a nutricionista Desire Coelho, autora de Por Que Não Consigo Emagrecer (Fontanar), o corte do nutriente promove perda de peso no inÃcio, já que a tendência é eliminar água e as reservas de energia do corpo, mas não elimina gordura nem se sustenta no longo prazo.
A nutrição moderna, guiada por equilÃbrio, estimula incluir, e não excluir. “Quanto mais frutas e hortaliças, melhorâ€, defende VanderlÃ. E respeita cada vez mais os costumes da região e a sustentabilidade. “Precisamos valorizar o que é sazonal, local e in naturaâ€, resume a nutricionista Adélia de Arruda Neta, pesquisadora da USP.
“A alimentação deve se basear em ingredientes acessÃveis, culturalmente aceitos pela população e produzidos sem prejudicar o meio ambienteâ€, completa Eduardo De Carli, nutricionista e colega de Adélia na USP.
O time de De Carli avaliou dados de mais de 46 mil brasileiros e percebeu que a maioria da população não adota um cardápio saudável e sustentável. O grupo usou parâmetros de uma comissão internacional que cunhou o termo “dieta planetária†e defende um modelo alimentar focado em vegetais, com redução nos itens de origem animal.
Nessa linha, a nutricionista MaÃsa Mota Antunes, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), propõe descascar mais e desembalar menos, como já faziam nossos antepassados. “Comida, para além de calorias e nutrientes, é históriaâ€, afirma. Isso vale para cá… E para todas as outras latitudes.