A ciência da hidratação

A ciência da hidratação

Na matemática do corpo humano, calcula-se que a água corresponda a 60% da nossa constituição. No sangue, ainda mais: a conta gira em torno de 90%. Se podemos sobreviver semanas sem comer, o mesmo não se aplica em caso de desidratação. Em geral, uma pessoa não passa de três dias sem lí­quidos.

Só que todos esses números senção estimativas. E, diferentemente do que se pensava no passado, a hidratação não é uma ciência tenção exata. Sim, ela integra a equação de uma vida saudável, mas é bom desconfiar de prescrições padronizadas e idealizadas de quantos litros a gente deve tomar diariamente. A coisa é mais lí­quida e complexa do que se imagina!

Mas as novas pesquisas nessa praia não deságuam em becos sem saí­da. Pelo contrário, elas estenção nos ajudando a compreender o que é uma hidratação adequada e como isso influencia (e melhora) o funcionamento do organismo. não estamos falando só de rins, bexiga e vizinhança. Um bom aporte de lí­quidos, vindos inclusive dos alimentos, interfere no trabalho do intestino, do cérebro e do coração.

A água é vital para o metabolismo celular, a regulação da temperatura corporal e a lubrificação de todos os tecidos, resume o médico Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran). A falta faz mal, mas o excesso também, afirma o nutrólogo. Ainda assim, dados populacionais indicam que andamos pecando mais pela falta do que pelo excesso.

Até o tipo e a fonte de água que a gente consome têm implicações no organismo é” e a história não se resume a  contaminação por parasitas. Em 2021, foi publicado o primeiro estudo mostrando que a diferença nas caracterí­sticas do lí­quido está diretamente relacionada a  composição da microbiota intestinal de americanos e britânicos. Isto é, o consumo hí­drico ajuda a explicar as variações nas populações de micro-organismos no aparelho digestivo entre cidadençãos morando dos dois lados do Atlântico.

Os cientistas ainda têm um oceano de hipóteses e informações a explorar sobre a relação entre a hidratação e a microbiota, essa comunidade cujo equilí­brio influencia a imunidade, o ganho de peso e a suscetibilidade a transtornos mentais como ansiedade e depressenção.

O próximo passo é avaliar e entender como o perfil e o volume da água que tomamos mexe com a microbiota e todos esses sistemas interligados, afetando, como você verá, da capacidade de atenção das crianças na escola ao estado das artérias e do coração na velhice.

 

A sabedoria popular recomenda beber água para prevenir pedras nos rins ou mesmo infecção urinária. E faz sentido, segundo a ciência. Já a ideia de que a gente tem de beber X copos por dia e a história de não confiar na sede como parâmetro para se hidratar parecem não se sustentar tanto.

Atualmente, os especialistas concordam que o cálculo tem de ser individualizado, respeitando idade, peso e presença ou não de doenças, e acreditam que, entre pessoas saudáveis, a sede é um bom sinal para saber se é hora de buscar o lí­quido. A água é importante demais para não ser controlada pelo próprio organismo, crava o nefrologista Bento Fortunato, do Hospital Israelita Albert Einstein, em Senção Paulo. Nossa maior preocupação hoje é a qualidade da hidratação, não necessariamente a quantidade, ele diz.

Isso porque muitas pessoas acabam obtendo a maior parte da água exigida pelo corpo na própria alimentação. Só que nem todos os comes e bebes senção iguais. Enquanto frutas, legumes e verduras senção majoritariamente compostos de água e demandam menos esforço para disponibilizá-la ao organismo é” pense numa melancia, com 92% do lí­quido na composição é”, alimentos ultraprocessados e bebidas adoçadas até entram na conta, mas não só de forma bem menos eficiente como também problemática, em função do excesso de gordura, açúcar e sódio. O combo não compensa.

Outra questenção é que a sede é uma ótima bússola, mas, com o avançar da idade, esse guia interno pode deixar a desejar. Quanto mais vivemos, maior a chance de não percebermos que o corpo está precisando de água. não se trata de esquecimento, mas de uma alteração fisiológica que leva as pessoas a beberem menos e que torna os idosos os principais candidatos a  desidratação.

Eles têm uma menor sensibilidade no centro do cérebro que regula a sensação de sede. Entenção, quando sentem sede, já estenção muito mais desidratados do que um adulto saudável, esclarece a nutricionista Paula Colleoni, professora da Pontifí­cia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

não é a  toa que muitos dos estudos que buscam entender os impactos de beber mais água têm como foco pessoas que já estenção na segunda metade da vida. A infecção urinária é bem mais prevalente entre idosos é” e, mesmo entre as mulheres, que sofrem mais com isso desde cedo, a incidência aumenta com a idade.

Em 2018, pesquisadores americanos e franceses selecionaram 140 mulheres no perí­odo da pré-menopausa que habitualmente ingeriam menos de 1,5 litro de água por dia e tinham episódios recorrentes de cistite. Elas foram divididas em dois grupos: um passou a ingerir mais lí­quidos, o outro seguiu como antes.

Após um ano, aquelas que se hidrataram mais tiveram, em média, uma queda de quase metade nos episódios de infecção urinária na comparação com a outra turma. a‰ de imaginar que tal efeito protetor seja especialmente bem-vindo aos idosos.

De acordo com a professora da PUC-PR, prejuí­zos relacionados a  desidratação ocorrem em qualquer fase da vida, mas um idoso que sobrecarregou seu organismo com a falta do lí­quido durante anos corre maior risco de sofrer reveses agora do que quando era jovem é” e, como a necessidade de água é constante, a desidratação tende a gerar repercussões cumulativas.

Aí­ sobra para todo lado, até por onde corre o sangue. Um estudo americano recente envolvendo 2,2 mil pessoas na faixa dos 70 anos descobriu uma correlação entre o ní­vel de hidratação e a presença de biomarcadores que indicam o risco de doenças cardiovasculares.

Embora o experimento não prove um raciocí­nio de causa e consequência, deixa clara a vantagem da hidratação adequada nesse grupo: a propensenção a ameaças a s artérias era maior entre quem não ingeria água o suficiente.

A falta dé™água também tem reflexos cerebrais que podem ser sentidos da infância a  maturidade. Sobretudo na velhice, a menor disponibilidade do lí­quido interfere na circulação e no transporte de oxigênio e nutrientes até a massa cinzenta.

A carência pode se manifestar com piora na memória e na capacidade de manter a atenção nas coisas, sonolência e, em casos mais extremos, confusenção mental. Como essas caracterí­sticas senção tradicionalmente associadas ao avanço da idade, não é incomum que idosos e familiares não percebam que o quadro está sendo provocado ou agravado por uma desidratação.

Nesse campo da ciência em ebulição, há quem vá além: alguns estudiosos já sugerem que beber água em quantidades inadequadas não seria apenas uma consequência da idade, mas potencialmente uma causa do envelhecimento precoce.